quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O início da Travessia

Estou vendo que usar a palavra "início" para nomear minhas postagens é uma coisa recorrente, mas lembro sempre daquele ditado chinês que diz que "Toda longa jornada começa sempre do primeiro passo", que o valha. Vou postar aqui abaixo o relatório que escrevi sobre as atividades do Vértice Brasil 2010: Travessia. Bom, segue abaixo meu relato.

Quando Julia Varley me deu a missão de escrever este relatório sobre o Vértice Brasil 2010 - Travessia pensei imediatamente na dificuldade que teria em fazê-lo pela formalidade desta minha “tarefa”, mas lembrei que a própria Julia em um determinado momento abordou que a forma de escrita da mulher acabava sendo vetada em alguns editoriais de teatro pela afetividade presente nos textos, pois bem, sejamos afetivas então.

Este será um ponto de vista muito particular, pois quando efetuei minha inscrição no Vértice não fazia a menor idéia do que realmente se tratava, nunca tinha ouvido falar no Magdalena’s Project e depois de ver no site a programação do evento ainda achava tudo muito distante da minha realidade.

Como o tema do Vértice desse ano foi TRAVESSIA, nada melhor do que esta palavra para diminuir as distâncias, e acredito que foi justamente o que aconteceu com a maioria dos participantes (considerando sempre a presença dos homens que participaram do evento), não era apenas discutir a condição da mulher no teatro, ou apenas a busca por aperfeiçoamento profissional, era o acolhimento, a convivência, o compartilhar.

Nos oito dias de imersão podemos compartilhar de cinco oficinas, catorze espetáculos, sete palestras, três demonstrações, vinte e três refeições, além das apresentações de cenas e de vários trajetos de van ou micro-ônibus, seria impossível não criar vínculos, não nos aproximarmos descobrindo afinidades e respeitando diferenças. E apesar do cansaço físico pela intensidade das atividades, dar vazão às novas rotas e conexões surgidas ao longo da semana compensavam qualquer sacrifício, inclusive das poucas horas de sono e da pressa durante as refeições.

Alguns cruzaram o estado, outros o país, outros tantos o oceano para se fazerem presentes e participantes de algo que não deveria se chamar de evento, talvez a palavra que caiba melhor neste caso seja ACONTECIMENTO, dadas as transformações fecundadas naquele momento.

As duas oficinas que vivenciei foram: Cruzando Fronteiras de Geddy Aniksdal e Ei, não sou mais eu... a experiência da máscara e da visita a um corpo/personagem "esculpido” de Claudia Contin. Ambas, ao meu ver, embora muito distantes em seu conteúdo, evidenciam a necessidade de treinamento físico para a busca da dramaturgia do ator, considerando sempre seus referenciais pessoais como um dos daminhos para se alcançar outros estágios, além da disponibilidade para permitir-se experimentar.

Com a demonstração das outras oficinas digo, sinceramente, que deu vontade de fazer todas, não apenas pelo conteúdo de cada uma delas, mas pelo entusiasmo das oficineiras, que assim como Geddy e Claudia demonstravam cuidado e muito apreço tanto pelo ofício quanto pelos participantes.

Considero o momento das Rotas tão interessante quanto as oficinas ou demonstrações de trabalhos justamente pela abertura à discussão de aspectos fundamentais para quem trabalha com teatro, indo desde o teatro como ferramenta de inclusão social até relatos de pesquisas baseadas em processos de montagem.

Da mesma maneira vejo a demonstração de trabalhos e a apresentação de cenas, por mais distintas que sejam as linguagens e metodologias, amplia nossos horizontes, uma vez que observar o trabalho de outras pessoas faz com que se abra um espaço para o diálogo e até mesmo a identificação, já que percebendo no outro um trabalho semelhante não nos sentimos mais tão solitários dentro de nossos processos de pesquisa/montagem.

Quanto aos espetáculos, independente do gosto pessoal, recebemos este presente da organização do Vértice, pois tanto os espetáculos de Florianópolis quanto das artistas convidadas além do deleite estético nos dava a inquietação de continuarmos lutando por um teatro possível, pautado em pesquisa, com argumento, com fundamentação teórica e experimentação prática, utilizando a multimídia de forma convergente e exaltando o material humano em cena, buscando do ator melhor que ele pode oferecer, pois, não é todo dia que temos a oportunidade de ver em cena referências do teatro mundial como Julia Varley, Ana Woolf, Geddy Aniksdal, Brigitte Cirla e Claudia Contin – e todas as outras artistas convidadas, de todas as linguagens, com suas características tão específicas.

São ACONTECIMENTOS assim, como o Vértice, que conseguem acessibilizar aquilo que a princípio é muito distante para a maioria dos profissionais de teatro, digo isso no que diz respeito às oficinas e aos espetáculos, mas o principal está no espaço para nossos questionamentos do lugar da mulher dentro do teatro e como nos colocamos em relação a isso, se pretendemos continuar à margem dessa travessia ou se pretendemos enfrentar as dificuldades e cruzar todos os obstáculos para conquistarmos um espaço que nos foi rejeitado durante tanto tempo.

Pela primeira vez, pude ver em cena, mulheres de várias gerações, com formação muito diferentes, com histórias de vida muito peculiares, mas que estavam ali por acreditar em algo muito maior, por acreditarem em si e na sua capacidade de transformação do mundo através do teatro, o que me enche de esperança, pois se em 1986 iniciaram o Magdalena’s Project, em 2004 começou a se pensar no Vértice, daqui pra frente muito ainda pode se multiplicar e buscar uma continuidade nas atividades.

Em relação à organização, podemos resumir tudo em duas palavras: acolhimento e respeito, embora nunca tivesse visto aquelas pessoas em toda minha vida, a impressão que tinha é que estava lidando com amigas de longa data, pela disponibilidade, paciência, cuidado e delicadeza com a qual estávamos sendo todos tratados, claro que isso ia se refletindo entre nós participantes, estávamos todos ali com uma finalidade específica de forma harmoniosa e bem organizada, clara, direta, objetiva, porém, sem autoritarismo, tendo no diálogo o princípio de tudo. Nunca é demais dizer que Marisa e equipe estão de parabéns.

Depois de ter sido “responsabilizada” de escrever este relatório, Julia pediu que os participantes dissessem um desejo e um objetivo, depois de ter vivenciado tudo que vi, compartilhado de tantas conversas, apreendido tanta coisa pela simples convivência, o mínimo que eu podia fazer era ser sintética e abrangente, e dizer que meu desejo e meu objetivo eram um só “Não desistir de mim como atriz.”, que outros Vértices venham, que outros participantes se agreguem, que possamos assim transformar um pouco mais aquilo que já nos é sagrado, o teatro.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Sim, ninguém disse que seria fácil

Nossa, tive um dia pesado hoje, não sou muito de escrever como se fosse um diário, mas tenho que compartilhar isso com alguém, nem que seja virtualmente. Passei por três ensaios completamente diferentes hoje. Pela manhã estava ensaiando A COR DA CHUVA, nesse estava como diretora, desafiador, e por enquanto tudo muito tranquilo e nenhum pouco estressante.

Mas, à tarde, mais uma vez repensei se devo ou não continuar no palco, às vezes me dá uma vontade de sair correndo, só que eu sei que não teria coragem de abandonar justamente aquilo que mais gosto de fazer. Ensaiávamos VOO AO SOLO, trabalhamos o fragmento de um texto de Raquel de Queiroz, foi muito difícil pra mim, na verdade está sendo muito delicado me relacionar com este monólogo, não que não goste dele, de jeito nenhum, sinto que será meu objeto de estudo constante, o racional entendia o sentido, a marcação, a direção, mas insistia em me travar um pouco. Deu vontade de sair correndo de novo, só que dessa vez, pra ver se meu corpo acordava e conseguia corresponder o que texto e pensamento compreendiam, enfim, levei uma surra de mim mesma, no mal sentido.

Dia 02 estou indo pra Fortaleza, menos de três ensaios para (re)definir o espetáculo, um pouco de medo, um pouco de ansiedade, mas estamos trabalhando para reverter tudo isso.


terça-feira, 17 de agosto de 2010

VOO AO SOLO 2.0

Ainda não sei bem o que estou pesquisando, ou o que pretendo pesquisar, mas como o espetáculo VOO AO SOLO foi selecionado para participar do XVII Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga/CE, Marco Antonio (meu querido diretor) e eu pensamos em fazer algumas modificações no texto, para explorar principalmente o meu desconforto em cena. Pois é, agora mais exposta do que nunca, o que não é de todo ruim, é só outra forma de se mostrar e de se resignificar. Eis o novo texto:

Ela me ligou (?)

Ela me ligou, sabia que eu não estava aqui, sabia que eu não ia atender, que eu não podia atender, mas mesmo assim me ligou. Só vi seu telefonema cinco horas depois, mandei mensagem, perguntei se estava tudo bem, se era urgente. Ela nunca me ligou, nunca, mas naquele dia fez. Podia ser por qualquer coisa, qualquer motivo tolo ou emergencial... Por que diabos ela me ligou? Alguns poucos minutos separaram minha mensagem do novo telefonema, retornei, nunca tinha escutado sua voz ao telefone, os ruídos, a má qualidade da ligação quase fazia impossível nossa comunicação, mas ainda assim eu era capaz de ouvir sua voz. Como sempre, brincou, falou do tempo, da agenda de trabalho, das dores musculares... e me deseja feliz dia do amigo... Como assim? Feliz dia do amigo? Ela é minha amiga? Ela me considera como amiga? A maioria dos meus amigos fez isso mandando mensagem pra o meu celular, ou pra o meu Orkut, ou facebook, ou twitter. Ela nunca me ligou, será que realmente só telefonou pra me desejar “Feliz dia do amigo”... é muito deboche, mas eu não fiquei ofendida não, muito longe disso, na verdade eu queria ter falado com ela, pra saber o que se passava pela sua cabeça, mas eu continuava sem saber o que de fato estava acontecendo. Parecia que todos os pensamentos descoordenados povoavam minha mente, e dois deles me saltavam aos ouvidos com aquela voz que eu nunca tinha ouvido pelo telefone. Minha consciência pessimista interpretava o telefonema assim: “Perceba que eu considero você como AMIGA.”, já minha consciência otimista com mania de construir castelos de areia só conseguia ler os sinais assim “Eu tô com saudades de você e precisava de um motivo bem ridículo pra te ligar e poder escutar sua voz.” Provavelmente o telefonema só significava o que realmente significava, nem mais nem menos. Mas o problema estava no fato de eu ter assumido ter sentido saudades, eu, eu mesma tinha me ofendido com toda essa sinceridade espontânea – quatro taças de vinho na cabeça me faziam ridiculamente espontânea.

Vento na Jangada

Enfrento mares revoltos em terra firme
Navego oceanos atracada num porto
Mas não acredite em tudo que eu afirme
O único território que tenho é meu corpo.

Sigo para onde o vento levar minha jangada
Levo o pouco que tenho dentro da bolsa
Mesmo que meu pouco se resuma a nada
Levo inclusive comigo o coração dessa moça
(ou só a sensação de estar apaixonada)

Enfrento trilhas, estradas e caminhos
Seguindo à pé, passos desacelerados
Assim como são os meus carinhos
Mesmo dando abraços errados.

Sigo para onde minha bússula me aponta
Finjo não sentir remorço ou saudade
Se sentir minha falta, não leve em conta
Um dia eu volto pra essa realidade
(só pra ver como nossa vida se apronta)